O supremo fetiche da modernidade: o senso comum científico emocional e dogmático

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Luiz Filipe Pondé [1] abriu o seu artigo “O fetiche da modernidade” na seção TENDÊNCIAS/DEBATES da Folha de São Paulo, Opinião A3, de 5 de fevereiro de 2007, com a seguinte afirmação incisiva: “O que resta à modernidade é seu senso comum científico, normalmente dotado de grande carga emocional e dogmática”.
[Requer assinatura do UOL ou da FSP].

É justamente esta posição dogmática emocional arrogante do ‘núcleo duro’ da ciência a Nomenklatura científica, que denuncio desde 1998 junto às editorias de ciência da Grande Mídia, e agora neste blog. Essa posição é mais ideológica do que científica: eles confundem o naturalismo metodológico com o materialismo filosófico. Utilizam erroneamente o naturalismo metodológico para respaldar uma filosofia naturalista. Ou ideologias como o ateísmo, ou um ceticismo globalizado e fanático.

Pondé abre o seu artigo afirmando que a ciência ‘é o supremo fetiche da modernidade’. Quando olhamos um espelho, devemos saber que a imagem refletida não é a verdadeira representação da realidade: são apenas imagens aproximadas da realidade. Conhecemos em parte, e em parte somos conhecidos, disse certo sábio judeu com uma pitada de ceticismo sábio.

Eu discordo de Pondé aqui — não é a ciência que se olha no espelho como supremo fetiche da realidade pós-moderna, mas são os cientistas que se olham o espelho e falam pela ciência nos seus melhores momentos: ‘o brilho redentor da tecnologia e seu sublime ídolo, o progresso, essa face contemporânea da "natureza atada" de Francis Bacon’, mas fecham os olhos para os seus horrores como as bombas atômicas jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki, células-tronco embrionárias [com a maior cara de pau e desfaçatez de não saberem definir quando começa a vida humana], fraudes nas pesquisas e otras cositas mais.

Como construção humana, a ciência, oops os cientistas vêem o ‘fracasso de grande parte de suas utopias’ — o racionalismo político [a intelligentsia define a realidade], a administração da vida [a intelligentsia diz o que é melhor], a resolução científica da existência [a intelligentsia diz que somos meramente química e eletricidade], a reformulação do humano [a intelligentsia usa o nome pós-moderno de bioengenharia, mas é eugenia pura] e deixa para nós mortais ‘a organização eficaz da agonia’.

E o que restou à modernidade [sic]? Tão-somente o ‘senso comum científico normalmente dotado de grande carga emocional e dogmática’. Por que Pondé chegou a essa conclusão sobre a pós-modernidade? “A prova evidente desse senso comum é supor que qualquer crítica à ciência significa alguma forma de heresia epistemológica ou mera falta de conhecimento científico por parte de quem levanta a questão”.

Alô, Amabis, até parece que Pondé assistiu ao encerramento da V São Paulo Research Conference em 20 de maio de 2006, auditório da Fac. de Medicina da USP, onde contraditei publica e respeitosamente ao eminente cientista: toda a crítica à evolução seria uma crítica à ciência. Muito pelo contrário, Amabis, as críticas às insuficiências epistêmicas fundamentais da teoria geral da evolução ajudam no progresso da ciência. Não há ‘theoria perennis’ em ciência. Todo o construto teórico está sujeito à revisão ou simples descarte. Paradigma morto, paradigma posto! Que venha a nova teoria geral da evolução!

Realmente, o que a ciência [na verdade o cientista] descobrir, as tais modas científicas, os ‘novos paradigmas’ e seu frenesi pseudo-religioso superficial em nada mudará a nossa condição cósmica qua Homo sapiens sapiens.

A estrutura do átomo, suas partículas e cordas, para além de um panteísmo de iniciantes, nada muda em nossa condição cósmica. Tampouco as modas científicas, os “novos paradigmas”, e aqui vou além de Ponde, e o seu superficial frenesi pseudo-religioso e de neo-ateísmo pós-moderno chique e perfumado.

Apesar de citar a limitação de Aristóteles sobre se o genoma desvendaria (?) todos os segredos do humano, mesmo com Craig Venter e Francis Collins e toda a tecnologia que o Projeto Genoma utilizou, os segredo humanos que descobrimos foram muitos a ponto de Venter afirmar que nós sabemos ‘bullshit’ de biologia.

Pondé toca num ponto nevrálgico e controverso: as idéias têm conseqüências e podem derivar ideologias. Ele diz que a única forma de ateísmo filosoficamente séria é o darwinismo, na sua tentativa de responder a Aristóteles e sua herança (o primeiro motor inteligente): “Como do acaso cego chegamos à ordem e ao design visíveis no universo? Pela repetição (e reprodução) mecânica daquilo que não pereceu, vítima da agressão do meio ambiente, em sua inércia ancestral, surge a aparência de ordem. A dança macabra entre o agredido e a agressão mimetizaria essa ordem”. Por que isso levaria alguém ao ateísmo, Pondé não declina.

Geralmente os cientistas do ‘núcleo duro’ da Nomenklatura científica afirmam que a crítica ao dogmatismo do senso comum científico seria devido ao “desconforto” diante da possível insignificância da vida, de não ser mais o ápice da criação. Pondé pondera que mais provavelmente este pânico se daria diante da possibilidade de “descrença” na ciência. E aqui eu arremato, descrença na ciência ideologizada, é que seria um indício desse suposto “desconforto”. EMPIRICA, EMPIRICE TRATANDA. Nem mais, nem menos. Do jeito que está é IDEOLOGIA.

Concordo plenamente com Pondé que a ciência mudou não somente a face do planeta, mas até a nós mesmos. Como construto humano, não devemos demonizar a ciência, mas tampouco canonizá-la. A realidade nua e crua da ciência é que, segundo ele, é ‘uma adolescente furiosa, às vezes generosa, normalmente arrogante quando bem-sucedida’.

Temos destacado aqui neste blog que a ciência não é um método puro, mas é também, e aqui o lado humano nos traí a todos, inclusive nós do Design Inteligente, há sim teias de interesses, laços institucionais que tendem à fantasia do absoluto, quando, na realidade cotidiana, nós agentes sociais podemos estar vivendo ‘no pântano do relativismo ético e do totalitarismo econômico’.

Será que ‘a estratégia do senso comum científico é desconstruir a incerteza ou dissolvê-la numa incerteza meramente estética’? Poderia a “precisão” científica andar lado a lado com a ignorância acerca da realidade? Seria um método poderoso de falseá-la, como sugere Pondé?

Qual a resposta científica ao Eclesiastes? Credo quia absurdum est ou Credo ut intelligam? [2]

[1] Filósofo, professor do programa de pós-graduação em ciências da religião do Departamento de Teologia da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da Faculdade de Comunicação da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado). É autor de vários livros, sendo “Crítica e Profecia, Filosofia da Religião em Dostoiévski”, o mais conhecido.

[2] Creio porque é absurdo e Creio para entender.